segunda-feira, 29 de abril de 2019

No meu álbum de sorrisos, o teu se encontra numa página solta. Não consigo lembrar o dia exato em que ele tanto se abriu que teus olhos tanto se fecharam. Nessa hora, minha mirada fez morada em ti e te fotografei. Como de costume, te revelei no escuro; mas num desábito, te colei numa folha dilacerada e teu sorriso foi marcador de cada face do meu livro de recordações. Até a última. E foi quando não tinha mais o que guardar, marcar, recordar. Demorei meus olhos no teu sorriso daquela página solta, dobrei bem pequenino, guardei na carteira e saí à tua procura. Lembro do dia em que teus olhos pareciam estrelas de desenho, brilhantes e com pontas, de tanto que se fechavam porque teu sorriso tanto se abria. Com o teu nas mãos e com o meu nos lábios, meus olhos desaguaram nos teus e fotografei apenas o silêncio, pra nunca mais esquecer que a ausência pode ser remanso, que o silêncio pode ser repousaDor.
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M. K.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Me querias doce e dócil. Doce de rasgar a garganta, dócil pra me engolir por inteiro. Fui puro fel sob uma lua de mel e me cuspiste. Meu abraço era doce de tuberosa e eu perdi as contas de quantos ramos enfiei nos bolsos da tua calça. Desabrochadas, caíram sobre o chão do teu banheiro. O meu cheiro foi lavado pela água que deslizava no abraço do teu corpo, até que entrou pelo ralo. E fui puro fel, sob uma lua de mel. E me cuspiste.

quarta-feira, 2 de agosto de 2017

terça-feira, 6 de junho de 2017

Rubem Braga - Amor e outros males

"...A senhora acharia exagerado se eu lhe dissesse que aquele amor era uma cruz que eu carregava o dia inteiro e à qual eu dormia pregado; então serei mais modesto e mais prosaico dizendo que era como um mal jeito no pescoço que de vez em quando doía como bursite. Eu já tive um mês de bursite, minha senhora; dói de se dar guinchos, de se ter vontade de saltar pela janela. Pois que venha outra bursite, mas não volte nunca um amor como aquele. Bursite é uma dor burra, que dói, dói, mesmo, e vai doendo; a dor do amor tem de repente uma doçura, um instante de sonho que mesmo sabendo que não se tem esperança alguma a gente fica sonhando, como um menino bobo que vai andando distraído e de repente dá uma topada numa pedra. E a angústia lenta de quem parece que está morrendo afogado no ar, e o humilde sentimento de ridículo e de impotência, e o desânimo que às vezes invade o corpo e a alma, e a 'vontade de chorar e de morrer', de que fala o samba? Por favor, minha delicada leitora; se, pelo que escrevo, me tem alguma estima, por favor: me deseje uma boa bursite."

Do livro "A traição das elegantes".

segunda-feira, 22 de maio de 2017

Maria

Maria é sempre Maria
Aqui, aquém e além:
A louca
Antonieta
Madalena
De Nazaré
Da artilharia, bruxaria
De quem ela quiser

Eu sempre quis ser Maria
Pura
Impura
Loucura:
Ninguém amaria

Ser Maria-Maria
Assim, por si só,
Uma Maria, tão Maria
Que Deus nunca teria dó

MKK

domingo, 23 de abril de 2017

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

A sacada

Fabiano Seixas Fernandes, para este poema

Talvez eu quisesse ser a sacada de um pequeno apartamento. Estar sempre fora e nunca ir embora. Nas manhãs, sentir o aroma do café de um sonhador; Nas noites, ter meu chão manchado de um vinho cansado. 

Durante o dia, minhas janelas estão fechadas e um gato caminha sobre meu corpo com toda a delicadeza que mereço; sobe à minha margem e observa o mundo pela minha transparência. 


Há de ter outra sacada observando os cacos e as manchas do meu chão? 


MKK

(14 de janeiro de 2017, 02:18 AM)